sexta-feira, 26 de junho de 2015

Ravena - Contextualização Histórico-Cultural 


      Ravena foi a terceira capital do Império Romano do Ocidente (402 - 476), depois de Roma e Milão (286 - 402). A primeira parte da história de Ravena desenrola-se durante a Antiguidade Tardia e a Alta Idade Média, nomeadamente quando a cidade se torna a terceira capital do Império Romano do Ocidente em 402, quando o Imperador Honório para ali transfere, de Milão, a sede do Império. Situada no limite que separa o Império do Oriente e do Ocidente, a localização natural do local, rodeado por pântanos, torna a cidade num local de acessos extremamente difíceis, o que influenciou particularmente a escolha do Imperador. Ao Imperador Honório seguir-se-ia a regência da sua irmã Gala Placídia e do seu filho Valentiniano III, até que Teodorico de Constantinopla faz de Ravena residência dos senhores ostrogodos.

  "A Itália, que havia vivido a experiência da passagem dos Visigodos, será conquistada por outro povo Oriental, os Ostrogodos, que haviam sido subjugados pelos Hunos e se instalaram na Panónia, depois de atacar Constantinopla em 487. Após um período de relações instáveis e uma permanência temporária na Macedónia, os Ostrogodos serão repelidos para Itália por Zenão. O rei ostrogodo, Teodorico, o Grande, penetra em Itália em 489 apoderando-se da Península quando venceu Odoarco em 493. Faz então de Ravena, a sua capital. Após a sua morte, em 526, o reino ostrogodo de Itália não sobrevive mais do que umas breves décadas até à conquista bizantina levada a cabo por Justiniano.

Os Merovíngios na Gália, os Visigodos na Hispânia e os Ostrogodos em Itália trouxeram consigo tradições artísticas que encontraram expressão no trabalho dos metais e nas artes decorativas. Cada um destes povos instala-se em regiões do Ocidente profundamente romanizadas, com uma tradição arquitetónica clássica e paleocristã abundante e de qualidade. Da fusão das tradições locais de construção, dos modelos divulgados no Império e da entrada de novas correntes artísticas nascerão, no Ocidente, as primeiras formas arquiteturais, a que podemos chamar nacionais em relação ao que virá a ser posteriormente arquitetura medieval." - Xavier Barral, A Alta Idade Média

É exatamente durante a ascensão imperial de Ravena que surgem muitos dos edifícios eclesiásticos, que ainda hoje sobrevivem como testemunho da importância da cidade na época paleocristã. Durante a presença dos Ostrogodos, Ravena torna-se, juntamente com Roma, Salónica e Constantinopla, num verdadeiro repositório de arquitetura paleocristã dos séculos V e VI.


Após a morte do último Imperador em 476, Ravena continua a ser uma cidade muito importante com Odoarco; bem como sobre o domínio ostrogodo, com Teodorico, vencedor do precedente em 493, que mantém em Ravena a capital até à sua morte, em 526. Após a derrota dos Godos e a conquista pelos exércitos de Bizâncio, em 540, Ravena conhece um novo impulso; tornando-se, sobre o domínio de Justiniano, numa cidade bizantina dona de uma esplendorosa arquitetura riquíssima em termos decorativos, afirmando o seu poder e importância na Península Itálica.


O Mosaico como prática decorativa - o caso de Ravena


Durante séculos, o mosaico foi a arte decorativa que complementou o programa decorativo religioso, principalmente em território oriental. Ravena não foi exceção, e os artistas encarregues da elaboração e colocação deste ornamento, depararam-se com vários problemas aos quais tiveram que encontrar respostas, nomeadamente no que diz respeito às técnicas, ao decorativismo, à figuração e à iconografia das diferentes imagens. 


Antes do século IV, são poucos os exemplos de mosaico que nos foram deixados. Porém, podemos ter em conta os poucos elementos que sobreviveram e traçar Grécia e Roma como as culturas que deram popularidade à arte da decoração pavimentar. Descobertas recentes permitiram o estudo dos mosaicos de pavimento do século IV – Na Síria, em África e sobretudo na Praça Armerina, na Sicília. No entanto, em relação a estas é praticamente nulo aquilo que se sabe em relativamente ao revestimento ornamental das fachadas, bem como da decoração em geral. Contudo, considera-se que o método mais usado para a decoração parietal, teria sido a pintura mural. De qualquer modo, não deixamos de ficar surpreendidos quando vemos por exemplo o caso de Pompeia, onde o mosaico foi usado na decoração das fontes, aqui já com uma qualidade técnica e uma plástica decorativa inovadoras, resultantes numa composição riquíssima em detalhe.

Figura 1. Pompeia. Fonte revestida a mosaico. 

            Já durante o século IV o mosaico era por vezes utilizado em monumentos funerários, como por exemplo no monumento de Sta. Constança, onde os mosaicos nas abóbadas, com forte conotação iconográfica, estão relacionados com a composição dos mosaicos do pavimento, também muito utilizados na época. Nesta altura, a técnica utilizada para a elaboração destes painéis consistia no emparelhamento de pequenos blocos de vidro, que limitaram o uso do mosaico no pavimento por razões de permanência. Blocos dourados serviram para a joelharia, blocos vermelhos ou azuis para a plumagem de pássaros e azuis e verdes para o mar. Como seria de esperar, devido à fragilidade das pequenas peças de vidro, a grande maioria destas acabaram por desaparecer. 


Figura 2. Santa Constanza. Pormenor de painel interior. Século IV.


Figura 3. Santa Constanza. Interior. Século IV



Esta limitação dos elementos já não viria a ser necessária no mosaico mural, uma vez que foi substituída por peças de fundo branco em calcário ou mármore, que proporcionou às composições não só uma maior resistência à erosão provocada pelo tempo, como uma qualidade tonal e luminosa até então nunca conseguidas, que atribui às igrejas bizantinas uma plástica decorativa única, que foi pela primeira vez encontrada e desenvolvida em Ravena. Desta forma, encontramo-nos agora perante uma arquitetura maioritariamente erguida em tijolo, em que as tiras e painéis de mosaicos são usadas para acentuar e completar as estruturas dos edifícios, tomando como exemplo as composições perietais no interior das cúpulas ou semi-cúpulas, como vamos poder ver em arquiteturas como Santo Apolinário in Classe, por exemplo.

Os mosaicos de Ravena tiveram uma forte tendência instrutiva, presente nos elementos iconográficos usados na sua composição, tanto a nível técnico como a nível temático e formal. Longe de se ter tornado uma tendência de simplificação, surgiu um novo estilo ornamental, melhor adaptado à decoração monumental que funciona como reflexo de uma nova ideologia. Com o triunfo destas tendências, deparamo-nos com uma nova estética onde o realismo e o respeito pelos volumes e formas dá lugar à valorização da cor e da visão. É um mundo bidimensional ajustado à expressão e ao simbolismo. A contribuição de Ravena foi adaptada e modificada de acordo com as tradições Ocidentais dos Cristianismo e respetiva arte. É este conjunto de adaptações que dão a aparência particular à arte e ao mosaico, sob os preceitos do Estado Imperial e das necessidades da Igreja.



Basílica de Santo Apolinário in Classe


A Basílica de Santo Apolinário in Classe foi erigida no início do século VI porém só foi consagrada em Maio de 549 pelo Bispo Maximiano, após a reconquista bizantina do norte de Itália. É dedicada a Santo Apolinário, o primeiro bispo de Ravena e Classe. Muitas das características que se encontram em Santo Apolinário Novo, reapareceram 50 anos depois neste edifício.  

Numa ordem geral, a arquitetura deste edifício assenta sobre uma planta basilical latina com três naves, uma central e duas laterais, separadas por colunas de mármore grego, a cobertura da nave central é feita através de um telhado de duas águas em madeira, enquanto as naves laterais são abobadadas sendo semelhante a Santo Apolinário Novo. A basílica termina com uma cabeceira poligonal ao contrário das basílicas de Roma que terminam de forma semicircular. O nártex e o edifício que se encontram à direita são acrescentos tardios assim como a torre com janelões do século IX. A ornamentação dos capitéis das colunas que separam as naves consiste na representação de folhas de acanto que se parecem ter sido retorcidas pelo vento, tendo ainda um ábaco trapezoidal – pulvino; elemento que substitui a arquitrave na arte bizantina, aliado ao exterior simples e austero.

No interior, ao contrário de Santo Apolinário o Novo, as paredes laterais de Santo Apolinário in Classe não apresentam qualquer tipo de decoração, mas encontraram-se-iam cobertas de magníficos mosaicos que foram retirados durante o século XV pelos venezianos.  

A riqueza ornamental deste edifício encontra-se na sua abside. A secção superior é constituída por, ao que se assemelha, um friso superior de um arco triunfal. Aqui, representado dentro de um medalhão está Cristo Pantokrator e ao seu lado, o Tetramorfo. Num plano inferior a esta representação encontram-se doze cordeiros que simbolizam os doze apóstolos. As laterais do arco mostram duas palmas, que segundo o simbolismo bíblico representam a justiça e o martírio. Sob estas encontram-se os arcanjos Miguel e Gabriel, com o busto de São Mateus e um outro santo não identificado.   

Figura 4. Santo Apolinário in Classe. Interior. Século VI

A decoração da abside data do século VI e pode ser dividida em duas partes. A parte superior consiste num grande círculo que se assemelha à abóbada celeste onde se encontra representada uma cruz ornamentada com gemas, que ao centro tem representado novamente o rosto de Cristo. Por cima da cruz a mão de Deus emerge das nuvens, solucionando deste modo uma iconografia que sempre sofreu problemas de representação. Em cada um dos lados do disco, encontram-se as figuras de Elias e Moisés. Os três cordeiros da secção inferior simbolizam os santos Pedro, João e Tiago, fazendo referência à transfiguração de Cristo. Na abóbada aparece representado um vale verde onde ao centro se encontra a figura de Santo Apolinário em posição de orante, dando graças a Deus pela sua fé, simbolizada e enfatizada pelos doze cordeiros que o rodeiam.

Figura 5. Santo Apolinário in Classe. Pormenor de Santo Apolinário Orante. Século VI


Nos espaços entre janelas, aparecem retratados os quatro bispos que fundaram as principais basílicas de Ravena, cada um deles segurando um livro. Dos lados da abside estão dois painéis do século VII. O da esquerda retrata o imperador bizantino Constantino IV a conceder privilégios ao arcebispo de Ravena. No painel da direita, estão Abraão, Abel e Melquisedech à volta de um altar onde oferecem um sacrifício a Deus. A escolha do tema está intimamente ligada à luta contra o arianismo, de forma a reafirmar a natureza divina e humana de Cristo teoria que era negada pelos arianos.

Basílica de São Vital


Considerado um dos edifícios mais importantes do período bizantino, a Basílica de São Vital foi iniciada em 526, ainda quando Ravena se encontrava sob o domínio Ostrogodo. O edifico é de planta centralizada e no que diz respeito ao exterior, a volumetria da estrutura é constituída por dois corpos octogonais que se sobrepõem; sendo o corpo interno mais alto e estreito, e possuidor de uma cobertura piramidal, que engloba a cúpula estruturada. A entrada é constituída por um nártex retangular que engloba apenas uma aresta do octógono e que tem nas extremidades duas torres com escadas, que originalmente davam acesso às galerias superiores. É notável o sentido de verticalidade de toda a estrutura, realizada como é norma em Ravena: com tijolos tipicamente bizantinos: compridos e delgados.

Do ponto de vista da estrutura interna, oito pilastras de forma poligonal suportam o tambor e a cúpula, as êxedras alternadas com pilastras semicirculares estabelecem a ligação ao deambulatório encimado por uma galeria aligeirada por trifórios. Esta conceção arquitetónica aproxima, formalmente, São Vital das famosas arquiteturas de Santa Sofia de Constantinopla, Santo Sérgio e Baco e Santa Irene. 

O octógono é incomparavelmente leve e o mosaico do presbyterium permanece intacto. Aqui, a decoração não se limitou apenas às paredes, aparecendo ainda em locais interrompidos por vãos de iluminação e arcadas, bem como nos tímpanos semi-circulares, nas absides, e nas abobadas e cúpulas, o que resultou no aparecimento de uma série de problemas técnicos e temáticos que puxavam pela imaginação dos decoradores.

 A complexidade da arquitetura do interior justifica-se também pela sumptuosidade da ornamentação; os ricos mosaicos, que ladeiam o altar, evidenciam a ligação de São Vital de Ravena com a corte bizantina. 

Os mosaicos estão presentes já nas paredes laterais da igreja e são decoradas quase inteiramente pelo típico fundo de pedras estilizadas, folhagem, flores e animais, todas muito bem desenhadas. Inseridas no programa iconográfico da basílica estão a representação de profetas, tão bem integradas na envolvente que se tornam quase impercetíveis apesar da especificação clara do seu episódio, como por exemplo Moisés a apertar as sandálias. 

Figura 5. São Vital. Pormenor da cena de Moisés a apertar as sandálias. Século VI

No que diz respeito aos painéis imperiais que representam Justiano e Teodora, estes abordam o assunto da procissão litúrgica onde é realizada a oferenda a Cristo do Cálice e da Patena. No Cortejo de Justiniano, o Imperador – representado com auréola, o que lhe confere uma conotação sagrada – é acompanhado por dois diáconos, bem como o arcebispo Maximiano, que segura a cruz processional. Com estes está quem se acredita ser o comissionador da Igreja, o banqueiro Julianus, além de membros da corte e da ordem militar da guarda oficial. É de realçar o tratamento técnico de cada figura, com feições características e individualizadas, bem como o efeito decorativo do todo.

 Figura 6. São Vital. Cortejo de Justiniano. Século VI

Do outro lado, por sua vez, a atenção é voltada para o painel do Cortejo de Teodora acompanhada pelas suas damas. A Imperatriz enverga um manto de padrão geométrico e vestido interior com motivos florais, e está ricamente decorada com jóias. Consigo estão damas da corte, que à semelhança da Imperatriz, se encontram opulentemente vestidas e adornadas. Na extremidade esquerda da composição, um homem aparece a puxar uma cortina, o que faz parecer que o cortejo se dirige para aquela sala escura, da qual nada sabemos. 


Figura 7. São Vital. Cortejo de Teodora. Século VI


Os imperadores refletem aqui o seu papel de representantes de Deus na terra e estão integrados no puro ato de submissão à corte celestial. As faces do imperador e imperatriz foram tratadas com especial atenção, o que capta a atenção do espectador. A frontalidade cria uma total simetria das figuras. Tem-se uma total perceção da cabeça e do rosto, onde o nariz ainda possui uma ligeira linha de contorno e os olhos agora tomam o lugar do papel principal. Os rostos largos, grandes, simétricos e complementados por um individualismo de quem fixa o espectador, acentuado pelas fortes, grossas e carregadas sobrancelhas em arco. As figuras olham para o vazio e ao mesmo tempo para o observador fornecendo a impressão de que está ali uma presença sobrenatural ou viva. Podemos reparar num tratamento cuidado do claro-escuro dos panejamentos, principalmente nos trajes das personagens principais, Justiniano e Teodora.

 Figura 8. São Vital. Pormenor do Cortejo de Teodora. Século VI

“The two famous pictures of S.Vital depicting Justinian and Theodora bringing their gifts to the church owe their strangeness and magnificence. However characteristic the faces of the Empor, the Empress, the bishop and their followers may be, what strikes one first is the incomparable brilliance of the coloured surface in which the splendor of the ecclesiastical vestments and the richeness of the court costumes blend in a kind of marvellous tapestry.” - Paul Hamlyn, Landmarks of the World’s Arte – The Early Christian and Byzantine World.



Já na abside, tal como em St. Apolinário, o tema consiste no âmbito das procissões triunfais que tomam lugar no céu – no triunfo de Cristo ou de um santo numa cena simbólica e figurativa do Paraíso. Este tipo de representação, envolvendo uma vista frontal da figura principal, e a simetria das figuras de suporte e da decoração, tem a vantagem, no fim da igreja, de representar a imagem devocional com marcado efeito de dramatismo.

As decorações em mosaico também tiveram especial lugar nas abobadas. Na zona junto ao altar recorre-se à representação da Eucaristia e as composições assumem aqui o seu atributo significativo mais profundo, transmitindo uma mensagem forte de divindade. Aqui, a ornamentação invoca a obra salvadora de Cristo, nomeadamente a sua encarnação, a sua morte e finalmente a sua ressurreição. Num nível mais elevado do arco que compõe o painel do altar encontra-se Cristo Pantokrator em mandorla, jovem, sentado em cima do globo terrestre, destacado como o dono e criador do Mundo e ladeado por dois anjos, que por sua vez são ladeados por São Vital, que recebe a coroa do Martírio, e por Eclésio que entrega o modelo da igreja a Cristo. O Salvador alberga vestes azuis escuras, cores que contrastam com o fundo dourado e com o branco dos mantos dos anjos. Por fim a cena é toda ela envolvida por motivos vegetalistas e florais. 


Figura 9. São Vital. Pormenor da Abside. Século VI


Basílica de Santo Apolinário Novo


A Basílica de Sant 'Apollinare Nuovo – “Igreja do Salvador”, é uma igreja basilical, em Ravena, Itália. O edifício foi erigido a mando do rei ostrogodo Teodorico, O Grande, durante o primeiro quartel do século VI, para servir como sua capela palatina. Inicialmente a igreja foi consagrada para o culto ariano e assim se manteve até a conquista Bizantina.

Com a conquista bizantina, uma série de restauros nos edifícios foram levados a cabo de modo a transformar e adaptar as antigas construções relacionadas com Ostrogodos e o Arianismo, para a liturgia cristã. No caso de Santo Apolinário Novo, esta adaptação consistiu sobretudo na remoção de alguns mosaicos alusivos à religião ariana e ao imperador Teodorico e à sua corte. Contudo, as representações de episódios da vida de Cristo, dos santos e profetas foram preservadas. Segundo a lenda, o Papa Gregório, O Grande, teria ordenado que os mosaicos, tão apreciados, fossem escurecidos, para que a sua luz e beleza não servisse como objeto de distração para os fiéis – que se deveriam concentrar na oração.

Em 856, quando as relíquias de Santo Apolinário foram transferidas da Basílica de Santo Apolinário in Classe (devido à ataques frequentes de piratas do Mar Adriático), a basílica foi outra vez renomeada, passando a ser designada como Santo Apolinário Novo, para não ser confundida com a igreja do porto de Ravena.

Do ponto de vista formal, a arquitetura deste edifício é constituída por uma planta basilical latina; possui três naves: uma central e duas laterais, separadas por colunas. A cobertura do teto da nave central é em madeira enquanto as naves laterais, por sua vez, são abobadadas. A ornamentação dos capitéis das colunas que separam as naves são ornados com folhas de acanto intrincadas, tendo ainda um ábaco trapezoidal – pulvino; elemento que substitui a arquitrave na arte bizantina.

A extensa faixa de mosaicos sobre a estrutura de colunas que divide as naves, e entre as janelas superiores, é considerada como uma das mais belas produções da nova arte que chegava do Oriente. A presença dos mosaicos servia a uma função não apenas ornamental, mas sobretudo simbólica. Um observador que se encontrasse no centro da igreja, ao dirigir o seu olhar para a abside, veria de cada um dos lados, um cortejo de figuras que parecem acompanhar as formas arquitetónicas e o desenvolvimento da planta.

Figura 10. Santo Apolinário o Novo. Vista do interior a partir da entrada. Século VI

Nos mosaicos paralelos estão representados os santos mártires guiados por São Martinho, que se dirigem para adorar o Salvador. Na extremidade oposta ao local onde se encontra Cristo entronizado, perto da entrada da Igreja, surge o Palácio de Teodorico – residência oficial do rei Ostrogodo enquanto este governou e habitou Ravena; sobreviveram até aos dias de hoje as ruínas do mesmo, bem como esta representação em mosaico, as únicas.  

 Figura 11. Santo Apolinário o Novo. Painel da Procissão dos Mártires. Século VI

No lado oposto, as santas virgens que se destacam sobre um fundo de ouro, levam nas mãos as coroas simbólicas do Martírio; representam, da esquerda para a direita, Inês, Ágata, Pelágia e Eufémia. O conjunto tem por base uma paleta de ouro, branco, verde-esmeralda e dourado, e recorre ao contorno a preto para sublinhar as formas e as diferentes tonalidades. As virgens são precedidas por três anjos e pelos Reis Magos – ricamente vestidos, contrastando com os mártires, que envergam apenas uma simples toga branca – caminham em direção à Virgem, que tem menino Jesus no seu regaço. Assim, a conjugação dos elementos arquitetónicos com a venustas interior, reforçam a ideia de que a intenção do uso da planta basilical tinha a finalidade de reproduzir metaforicamente o caminho que o crente deveria percorrer para chegar até Deus. Este percurso – do profano ao sagrado – é assinalado através da entrada no edifício; a partir daí, o fiel abandona o mundo exterior e o caminho através da nave até à abside, metaforicamente significa a busca do divino.

Figura 12. Painel da Procissão das Virgens e dos Magos. Século VI



O motivo da procissão militar foi seguido pela procissão triunfal em direção a um Deus ou rei, sentado no seu trano rodeado por dignitários; o friso do Parténon foi uma variação livre deste tema e acredita-se que tenha servido de inspiração para este painel, bem como os exemplares escultóricos presentes nas paredes dos palácios da Assíria e da Pérsia. Além destas faixas de mosaicos presentes nas sobre as colunatas que dividem as naves, acima do clerestório deparamo-nos com episódios históricos em pequenos painéis, com cenas representantes da narrativa da Paixão de Cristo, como por exemplo A Ressurreição de Lázaro, A Cura do Paralítico, e A Última Ceia. Por outro lado, os apóstolos e profetas entre as janelas – sob estes painéis – remetem para o arranjo clássico das estátuas destinadas aos nichos, numa tentativa de reproduzir uma decoração em duas dimensões. 

Figura 13. Santo Apolinário o Novo. Painel da Ressurreição de Lázaro. Século VI



Mausoléu de Gala Placídia


Gala Placídia, irmã de Honório mandou erigir uma igreja de planta cruciforme com braços de uma só nave. Da basílica propriamente dita, não se conservou mais do que esta nave, com o nome de Santa Cruz. Estima-se que a construção da basílica tenha sido iniciada no primeiro quartel do século V e incluía um longo nártex, no final do qual se acrescentou, alguns anos depois de 424, o pequeno mausoléu. A presença abundante de motivos sepulcrais nos mosaicos e os três sarcófagos de mármores, atribuídos à princesa, ao irmão e ao marido, levam a concluir que esta estrutura estava destinada a servir de mausoléu. Portanto, o edifício servia de sepulcro e de capela martirial.  

Do seu aspecto exterior destacam- se as sólidas arcadas cegas que enquadram as janelas e as cornijas clássicas e enfatizam os frontões erguidos sobre os braços de forma a enriquecer o aspeto exterior das paredes. Além da planta, a sua grande novidade reside no interior do monumento que é composta por um conjunto de elementos decorativos cintilantes de luz e cor resplandecentes associados ao mosaico que complementam as paredes, e que evocam o esplendor espiritual do Reino de Deus. Toda a magnificência interior contrasta com o exterior austero. 

Figura 14. Mausoléu de Galla Placídia. Interior. Século V

As abóbadas de berço e a cúpula do Mausoléu estão decoradas com um programa musivário com a representação de folhas e um céu estrelado. Em duas das lunetas que complementam as abóbadas encontramos janelas com cenas santas, onde se encontram representados os apóstolos. Numa outra, o Bom Pastor é representado numa paisagem muito pormenorizada com tratamento formal muito ao jeito das pinturas das catacumbas Romanas, com um carácter forte e frio de execução. O Bom Pastor (símbolo de Deus) é figurado como um homem jovem de vestes douradas e estola púrpura (símbolo da realeza). Para além de estar rodeado pelos carneiros, é registado em mandorla segurando a cruz. Na luneta seguinte estão representados os veados que representam as almas bebendo da água da fonte da vida. Por fim, na luneta principal encontra-se uma representação de S. Lorenço carregando a Bíblia e a Cruz junto das chamas (o seu martírio). Do outro lado quatro livros representando os quatro Evangelhos. Estes elementos transparecem de riqueza, da mesma forma que constituem um papel fundamental para a Igreja. No topo da abóbada, o azul intenso das paredes envolve o espetador e cria um ambiente irreal e espiritual. 

Figura 14. Mausoléu de Galla Placídia. Bom Pastor. Século V

Na cúpula o teto é coberto  de mosaicos azulados, onde se representa uma grande cruz triunfal dourada, rodeada por estrelas com representações do Tetramorfo na transição paredes-cúpula. Os motivos geométricos, as grinaldas e volutas de onde se destaca o Cristograma num céu estrelado, são representações temáticas confirmam a função sepulcral do edifício, e envolvem os símbolos de evocações apocalípticas dos quatros evangelistas que estão agrupados à volta da cruz. Os símbolos referem-se ao Boi (Mateus) à Águia (Lucas), ao Leão (Marcos) e ao Homem (João). 


 Batistério dos Ortodoxos

O batistério dos Ortodoxos em Ravena consiste numa estrutura de planta centralizada octogonal, cuja construção foi iniciada no ano de 400, pelo bispo Urso e concluída pelo bispo Neon, no final do século V.  A forma da sua planta remete-nos para os mausoléus da Antiguidade, enquanto os oito lados do edifício evocam, simbolicamente, a ligação entre o batismo e a morte: o mundo começou ao oitavo dia, a seguir à criação, Cristo ressuscitou no oitavo dia da Paixão. Mesmo em Dura-Europos, a confluência da morte e da ressurreição é evidente nos temas representados, muitos dos quais, já apareciam também nas pinturas das catacumbas.

Tal como em Gala, o batistério é constituído por paredes de mármore na parte inferior, e exultante nas paredes superiores em estuque ornamentadas pelos típicos mosaicos. Abundam as figuras dos profetas do Antigo Testamento e que numa posição muito elevada podem ser perfeitamente contempladas pelo observador, em redor do tambor. Mais acima encontram-se apóstolos de vestes douradas que avançam contra um fundo azul artificial representando as cores do martírio.

Figura 15. Batistério dos Ortodoxos. Mosaicos do Tambor. Século V

Figuras em estuque de profetas do Antigo Testamento estão distribuídas em ao redor do tambor do edifício, como se contemplassem do alto o visitante, enquanto, mais acima, apóstolos de vestes douradas avançam contra um fundo azul artificial apresentando as suas coroas do martírio, e separados por motivos vegetalistas.

Por sua vez, na parte central da cúpula encontra-se uma representação de um medalhão de ouro, onde Cristo é batizado no rio Jordão, encimado por uma pomba e com um Deus pagão à sua direita reconhecendo a divindade de Cristo. Ao observar as representações, os convertidos que eram batizados viam representado o elo de ligação entre a sua experiência e a do Filho de Deus. As decorações teriam um efeito ainda mais perfeito e profundo se imaginarmos a escuridão e o Batistério iluminado apenas pela luz das velas trémulas. 

Figura 16. Batistério dos Ortodoxos. O Batismo de Cristo. Século V


Batistério dos Arianos


O Batistério dos Arianos foi mandado erigir pelo rei ostrogodo Teodorico, O Grande, entre o fim do século V e inícios do século VI. É portanto, um edifício contemporâneo à Basílica de Santo Apolinário Novo. Foi chamado de Ariano para se diferenciar do Batistério Ortodoxo. Embora os edifícios fossem destinados à mesma função, cada um deles pertencia a uma comunidade específica, que coexistia em Ravena. No ano de 565, depois da condenação do culto ariano, o batistério foi convertido num um oratório católico, designado por Santa Maria. Durante o período do “Exarcado de Ravena”, monges gregos adicionaram-lhe um Mosteiro e mais tarde dedicaram a estrutura à Santa Maria em Cosmedin. Por volta do ano de 1700, a estrutura tornou-se propriedade privada e em 1914 foi adquirida pelo governo italiano. Durante a Segunda Guerra Mundial, o bombardeamento sobre Ravena destruiu as estruturas que tinham sido adicionadas ao batistério permitindo, pela primeira vez, que os seus detalhes exteriores fossem explorados pelos investigadores. Assim como outros monumentos de Ravena, o solo do batistério original encontra-se a dois metros abaixo do solo.

Como é comum nesta tipologia arquitectónica, o Batistério Ariano apresenta uma planta octogonal. Quanto à sua forma exterior, esta quase não apresenta ornamentação, sendo a estrutura animada apenas pelas janelas, a sua riqueza principal reside no interior.

No interior da cúpula, surge a representação do Batismo de Jesus que aparece retratado como um jovem imberbe e nu, no rio Jordão, acompanhado por João Batista que o batiza. À esquerda de Jesus está representado um Deus pagão, a personificação do rio. Acima, o Espírito Santo aparece em forma de pomba e derrama água lustral com o seu bico, sobre a cabeça de Cristo, colocando em evidência as semelhanças com o Batistério Oortodoxo.

Figura 17. Batistério dos Arianos. Batismo de Cristo e Procissão dos Apóstolos. Século V 

Abaixo, uma procissão dos Doze Apóstolos, guiada por Pedro e Paulo, avançam em direções diferentes, envolvendo a composição circulando a cúpula. O Batistério Ariano é um dos oito edifícios em Ravena registados pela UNESCO como Património Mundial. De acordo com a avaliação ICOMOS desta estrutura, a importância e a particularidade do edifício deve-se sobretudo ao programa iconográfico dos seus mosaicos. As representações de grande qualidade ilustram, a Santíssima Trindade, elemento inesperado, uma vez que a existência da mesma não era aceite na doutrina Ariana.

Bibliografia

HAMLYN, Paul – Landmarks of the World’s Arte – The Early Christian and Byzantine World. General Edition: Londres, 1967

BARRAL, Xavier – A Alta Idade Média. Taschen: Lisboa, 1998

PAOLUCCI, Antonio – Ravenna. Edizioni Salera: 1971

ECO, Umberto - Idade Média – Bárbaros, Cristãos e Muçulmanos. Alfragide: Dom Quixote, 2010.

NAVARRO, Francesco – História da Arte – Roma, Arte Paleocristã e Bizantina. Editorial Salvat: Barcelona, 2006


STALLEY, Roger – Early Medieval Architecture. Oxford University Press: New York, 1999.