Ravena - Contextualização Histórico-Cultural
Ravena
foi a terceira capital do Império Romano do Ocidente (402 - 476), depois de
Roma e Milão (286 - 402). A primeira parte da história de Ravena desenrola-se
durante a Antiguidade Tardia e a Alta Idade Média, nomeadamente quando a cidade
se torna a terceira capital do Império Romano do Ocidente em 402, quando o
Imperador Honório para ali transfere, de Milão, a sede do Império. Situada no
limite que separa o Império do Oriente e do Ocidente, a localização natural do
local, rodeado por pântanos, torna a cidade num local de acessos extremamente
difíceis, o que influenciou particularmente a escolha do Imperador. Ao Imperador
Honório seguir-se-ia a regência da sua irmã Gala Placídia e do seu filho
Valentiniano III, até que Teodorico de Constantinopla faz de Ravena residência
dos senhores ostrogodos.
"A
Itália, que havia vivido a experiência da passagem dos Visigodos, será
conquistada por outro povo Oriental, os Ostrogodos, que haviam sido subjugados
pelos Hunos e se instalaram na Panónia, depois de atacar Constantinopla em 487.
Após um período de relações instáveis e uma permanência temporária na
Macedónia, os Ostrogodos serão repelidos para Itália por Zenão. O rei
ostrogodo, Teodorico, o Grande, penetra em Itália em 489 apoderando-se da
Península quando venceu Odoarco em 493. Faz então de Ravena, a sua capital.
Após a sua morte, em 526, o reino ostrogodo de Itália não sobrevive mais do que
umas breves décadas até à conquista bizantina levada a cabo por Justiniano.
Os Merovíngios na Gália, os Visigodos na Hispânia e os Ostrogodos em Itália trouxeram consigo tradições artísticas que encontraram expressão no trabalho dos metais e nas artes decorativas. Cada um destes povos instala-se em regiões do Ocidente profundamente romanizadas, com uma tradição arquitetónica clássica e paleocristã abundante e de qualidade. Da fusão das tradições locais de construção, dos modelos divulgados no Império e da entrada de novas correntes artísticas nascerão, no Ocidente, as primeiras formas arquiteturais, a que podemos chamar nacionais em relação ao que virá a ser posteriormente arquitetura medieval." - Xavier Barral, A Alta Idade Média
Os Merovíngios na Gália, os Visigodos na Hispânia e os Ostrogodos em Itália trouxeram consigo tradições artísticas que encontraram expressão no trabalho dos metais e nas artes decorativas. Cada um destes povos instala-se em regiões do Ocidente profundamente romanizadas, com uma tradição arquitetónica clássica e paleocristã abundante e de qualidade. Da fusão das tradições locais de construção, dos modelos divulgados no Império e da entrada de novas correntes artísticas nascerão, no Ocidente, as primeiras formas arquiteturais, a que podemos chamar nacionais em relação ao que virá a ser posteriormente arquitetura medieval." - Xavier Barral, A Alta Idade Média
É
exatamente durante a ascensão imperial de Ravena que surgem muitos dos
edifícios eclesiásticos, que ainda hoje sobrevivem como testemunho da
importância da cidade na época paleocristã. Durante a presença dos Ostrogodos,
Ravena torna-se, juntamente com Roma, Salónica e Constantinopla, num verdadeiro
repositório de arquitetura paleocristã dos séculos V e VI.
Após
a morte do último Imperador em 476, Ravena continua a ser uma cidade muito
importante com Odoarco; bem como sobre o domínio ostrogodo, com Teodorico,
vencedor do precedente em 493, que mantém em Ravena a capital até à sua morte,
em 526. Após a derrota dos Godos e a conquista pelos exércitos de Bizâncio, em
540, Ravena conhece um novo impulso; tornando-se, sobre o domínio de Justiniano,
numa cidade bizantina dona de uma esplendorosa arquitetura riquíssima em termos
decorativos, afirmando o seu poder e importância na Península Itálica.
O Mosaico como prática decorativa - o caso de Ravena
Durante
séculos, o mosaico foi a arte decorativa que complementou o programa decorativo
religioso, principalmente em território oriental. Ravena não foi exceção, e os
artistas encarregues da elaboração e colocação deste ornamento, depararam-se
com vários problemas aos quais tiveram que encontrar respostas, nomeadamente no
que diz respeito às técnicas, ao decorativismo, à figuração e à iconografia das
diferentes imagens.
Antes
do século IV, são poucos os exemplos de mosaico que nos foram deixados. Porém,
podemos ter em conta os poucos elementos que sobreviveram e traçar Grécia e
Roma como as culturas que deram popularidade à arte da decoração pavimentar.
Descobertas recentes permitiram o estudo dos mosaicos de pavimento do século IV
– Na Síria, em África e sobretudo na Praça Armerina, na Sicília. No entanto, em
relação a estas é praticamente nulo aquilo que se sabe em relativamente ao
revestimento ornamental das fachadas, bem como da decoração em geral. Contudo,
considera-se que o método mais usado para a decoração parietal, teria sido a
pintura mural. De qualquer modo, não deixamos de ficar surpreendidos quando
vemos por exemplo o caso de Pompeia, onde o mosaico foi usado na decoração das
fontes, aqui já com uma qualidade técnica e uma plástica decorativa inovadoras,
resultantes numa composição riquíssima em detalhe.
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Figura 1. Pompeia. Fonte revestida a mosaico. |
Já
durante o século IV o mosaico era por vezes utilizado em monumentos funerários,
como por exemplo no monumento de Sta. Constança, onde os mosaicos nas abóbadas,
com forte conotação iconográfica, estão relacionados com a composição dos
mosaicos do pavimento, também muito utilizados na época. Nesta altura, a
técnica utilizada para a elaboração destes painéis consistia no emparelhamento
de pequenos blocos de vidro, que limitaram o uso do mosaico no pavimento por
razões de permanência. Blocos dourados serviram para a joelharia, blocos
vermelhos ou azuis para a plumagem de pássaros e azuis e verdes para o mar.
Como seria de esperar, devido à fragilidade das pequenas peças de vidro, a
grande maioria destas acabaram por desaparecer.
Figura 2. Santa Constanza. Pormenor de painel interior. Século IV. |
Figura 14. Mausoléu de Galla Placídia. Bom Pastor. Século V
Na cúpula o teto é coberto de mosaicos azulados, onde se representa uma
grande cruz triunfal dourada, rodeada por estrelas com representações do
Tetramorfo na transição paredes-cúpula. Os motivos geométricos, as grinaldas e
volutas de onde se destaca o Cristograma num céu estrelado, são representações
temáticas confirmam a função sepulcral do edifício, e envolvem os símbolos de
evocações apocalípticas dos quatros evangelistas que estão agrupados à volta da
cruz. Os símbolos referem-se ao Boi (Mateus) à Águia (Lucas), ao Leão (Marcos)
e ao Homem (João).
Batistério dos
Ortodoxos
O batistério dos Ortodoxos em Ravena consiste numa estrutura de
planta centralizada octogonal, cuja construção foi iniciada no ano de 400, pelo
bispo Urso e concluída pelo bispo Neon, no final do século V. A forma da sua planta remete-nos para os
mausoléus da Antiguidade, enquanto os oito lados do edifício evocam,
simbolicamente, a ligação entre o batismo e a morte: o mundo começou ao oitavo
dia, a seguir à criação, Cristo ressuscitou no oitavo dia da Paixão. Mesmo em
Dura-Europos, a confluência da morte e da ressurreição é evidente nos temas
representados, muitos dos quais, já apareciam também nas pinturas das
catacumbas.
Tal como em Gala, o batistério é constituído por paredes de
mármore na parte inferior, e exultante nas paredes superiores em estuque
ornamentadas pelos típicos mosaicos. Abundam as figuras dos profetas do Antigo
Testamento e que numa posição muito elevada podem ser perfeitamente contempladas
pelo observador, em redor do tambor. Mais acima encontram-se apóstolos de
vestes douradas que avançam contra um fundo azul artificial representando as
cores do martírio.
Figura 15. Batistério dos Ortodoxos. Mosaicos do Tambor. Século V
Figuras em estuque de profetas do Antigo Testamento estão
distribuídas em ao redor do tambor do edifício, como se contemplassem do alto o
visitante, enquanto, mais acima, apóstolos de vestes douradas avançam contra um
fundo azul artificial apresentando as suas coroas do martírio, e separados por
motivos vegetalistas.
Por sua vez, na parte central da cúpula encontra-se uma
representação de um medalhão de ouro, onde Cristo é batizado no rio Jordão, encimado por uma pomba e com um Deus pagão à sua direita reconhecendo a
divindade de Cristo. Ao observar as representações, os convertidos que eram
batizados viam representado o elo de ligação entre a sua experiência e a do
Filho de Deus. As decorações teriam um efeito ainda mais perfeito e profundo se
imaginarmos a escuridão e o Batistério iluminado apenas pela luz das velas
trémulas.
Figura 16. Batistério dos Ortodoxos. O Batismo de Cristo. Século V
Batistério dos Arianos
O Batistério dos Arianos foi mandado erigir pelo rei
ostrogodo Teodorico, O Grande, entre o fim do século V e inícios do século VI.
É portanto, um edifício contemporâneo à Basílica de Santo Apolinário Novo. Foi
chamado de Ariano para se diferenciar do Batistério Ortodoxo. Embora os
edifícios fossem destinados à mesma função, cada um deles pertencia a uma
comunidade específica, que coexistia em Ravena. No ano de 565, depois da
condenação do culto ariano, o batistério foi convertido num um oratório
católico, designado por Santa Maria. Durante o período do “Exarcado de Ravena”,
monges gregos adicionaram-lhe um Mosteiro e mais tarde dedicaram a estrutura à
Santa Maria em Cosmedin. Por volta do ano de 1700, a estrutura tornou-se
propriedade privada e em 1914 foi adquirida pelo governo italiano. Durante a
Segunda Guerra Mundial, o bombardeamento sobre Ravena destruiu as estruturas
que tinham sido adicionadas ao batistério permitindo, pela primeira vez, que os
seus detalhes exteriores fossem explorados pelos investigadores. Assim como
outros monumentos de Ravena, o solo do batistério original encontra-se a dois
metros abaixo do solo.
Como é comum nesta tipologia arquitectónica, o
Batistério Ariano apresenta uma planta octogonal. Quanto à sua forma exterior,
esta quase não apresenta ornamentação, sendo a estrutura animada apenas pelas
janelas, a sua riqueza principal reside no interior.
No interior da cúpula, surge a representação do Batismo de
Jesus que aparece retratado como um jovem imberbe e nu, no rio Jordão,
acompanhado por João Batista que o batiza. À esquerda de Jesus está
representado um Deus pagão, a personificação do rio. Acima, o Espírito Santo
aparece em forma de pomba e derrama água lustral com o seu bico, sobre a cabeça
de Cristo, colocando em evidência as semelhanças com o Batistério Oortodoxo.
Abaixo, uma procissão dos Doze Apóstolos, guiada por Pedro e
Paulo, avançam em direções diferentes, envolvendo a composição circulando a
cúpula. O Batistério Ariano é um dos oito edifícios em Ravena registados pela
UNESCO como Património Mundial. De acordo com a avaliação ICOMOS desta
estrutura, a importância e a particularidade do edifício deve-se sobretudo ao
programa iconográfico dos seus mosaicos. As representações de grande qualidade
ilustram, a Santíssima Trindade, elemento inesperado, uma vez que a existência
da mesma não era aceite na doutrina Ariana.
Bibliografia
Bibliografia
HAMLYN, Paul – Landmarks
of the World’s Arte – The Early Christian and Byzantine World. General
Edition: Londres, 1967
BARRAL,
Xavier – A Alta Idade Média. Taschen:
Lisboa, 1998
PAOLUCCI,
Antonio – Ravenna. Edizioni Salera:
1971
ECO,
Umberto - Idade Média – Bárbaros,
Cristãos e Muçulmanos. Alfragide: Dom Quixote, 2010.
NAVARRO,
Francesco – História da Arte – Roma, Arte
Paleocristã e Bizantina. Editorial
Salvat: Barcelona, 2006
STALLEY, Roger – Early
Medieval Architecture. Oxford University Press: New York, 1999.
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